Cada perda nos traz uma experiência particularmente dolorosa, sendo necessário respeitar o tempo de elaboração do processo do luto, que é igualmente individual. Durante a vida, sofremos muitas perdas, sejam simbólicas ou reais e na maioria das vezes os dois tipos se mesclam na mesma experiência. Todavia, existe um luto particularmente delicado: o perinatal.

 

Culturalmente, falar de luto é um tabu, uma ferida que não deve ser tocada, principalmente no caso do Luto Perinatal, que é caracterizado pela perda do bebê em 3 condições peculiares:

1- Durante o último estágio da gravidez;

2- No processo do parto;

3- Logo após o nascimento do bebê até os primeiros 7 dias;

 

O Luto Perinatal traz consigo reações adaptativas que repercutem diretamente na projeção de uma rotina que também foi interrompida e abortada.

 

O luto apresenta 5 fases que não são necessariamente lineares, não se manifestando do mesmo modo e havendo um tempo específico para cada uma destas fases que são: negação, raiva, negociação, “Depressão” e enfim a aceitação. Durante este trabalho, podem acontecer muitas recaídas de fases que se pensava ter sido superadas, mas que na realidade ainda se encontram de maneira latente e inacabada, esperando uma forma de se expressar para a elaboração daquela perda. Dar as costas para o trabalho do luto é fazer uma dívida com um agiota, em que virão cobranças e juros com um alto preço a ser pago.

 

No caso específico do Luto Perinatal, a mãe apresenta um desafio triplo: enlutar o filho, elaborar as projeções e idealizações construídas para este filho antes e durante todo o período de gestação, bem como dar um lugar simbólico ao filho perdido. Isto porque quando uma mulher deseja ser mãe, este já existe em seu imaginário, onde o mesmo é nomeado, tendo um lugar na família e sendo muitas vezes gerado com ele planos, projeções e sonhos. Por outras palavras, em alguns casos o bebê já existe mesmo antes de ser gerado.

Além disto, aquela mãe precisa se desfazer do enxoval do bebê, do seu quarto ou do lugar que ele iria ocupar no espaço da casa, necessitando igualmente elaborar as experiências sensoriais vividas. Por exemplo: quando o bebê se mexeu pela primeira vez, a emoção do primeiro ultra-som, o acompanhamento da barriga crescendo e formação do bebê, o momento em que escutou os seus primeiros batimentos cardíacos, para a partir de então estar pronta para buscar novos sentidos existenciais.

Além do luto de um filho esperado e idealizado, é necessário afrontar a tristeza em abortar o sonho de ser mãe que não foi concretizado, causando um imenso vazio existencial, uma dor indescritível que parece que nunca será curada e em casos específicos podendo se caracterizar como uma verdadeira experiência traumática.

 

 

 

Faz-se necessário um cuidado especial para com esta mãe para que não entre em uma Depressão propriamente dita, pois ela não perdeu somente um bebê, mas as vivências sensório-motoras carregadas de afeto, bem como as expectativas que ansiavam por ser vivenciadas após o seu nascimento. Vale à pena salientar que o tempo não cura o sofrimento, este é tratado através da ressignificaçao da experiência malograda. Por este motivo, nos primeiros meses, o trabalho do luto é um verdadeiro desafio e necessita de suporte familiar, bem como da rede de apoio social.

As pessoas geralmente romantizam o luto, dinâmica esta que necessita sim de ser vivenciada e trabalhada. Tenho a impressão de que hoje em dia as pessoas perderam o direito de enlutar, de sentir tristeza, de vivenciar suas dores emocionais, tão importantes para o substrato da resiliência de que tanto precisam consolidar para afrontar os embates da vida, para se reorganizarem, para se reerguerem, para sentir novamente o pulsar da vida dentro de si mesmas e para dar um novo sentido existencial ao que era caro e que foi perdido. Importante salientar que a vivência do luto não é somente necessária para seguirmos adiante, mas para a própria saúde mental da pessoa enlutada, visto que um luto mal elaborado continua vivo. Nunca é demais reiterar que cedo ou tarde esta perda precisará ser confrontada e elaborada como meio preventivo para que estas experiencias não sejam projetadas em uma próxima gravidez.

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Autora
Soraya Rodrigues de Aragão
Psicóloga, Psicotraumatologista, Expert em Medicina Psicossomática e Psicologia da Saúde. Autora em 4 livros publicados. Escritora em vários portais, jornais e revistas no Brasil e exterior.

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