Um dos pontos que tenho discutido com meus pacientes é a questão do autocuidado. Isso acontece porque tenho observado com recorrência essa dinâmica em atribuir ao outro o que é preciso fazer por si. Mas, será que isso de fato funciona, ou seja, é saudável para a pessoa e para a relação? Até que ponto essa crença e postura podem trazer conseqüências negativas para a autoestima, bem como influenciar negativamente na formação de vínculos saudáveis?

Um aspecto primordial, que indiscutivelmente precisa ser desenvolvido é a autorresponsabilidade afetiva e, nunca, em hipótese alguma delegue isso a quem quer que seja. E quando me reporto a este pensamento, em nenhum momento me refiro a um estilo de apego, inseguro, seja ambivalente ou evitativo.

Acredito que temos nossas vulnerabilidades e em muitas situações, precisamos de afeto e cuidados. Contudo, é preciso atenção para distinguir quando estes cuidados partem de uma demanda de não assumir o próprio autocuidado, precisando este ser feito primacialmente por outra pessoa ou quando se tratar de uma demanda conduzida por carência emocional. Neste ultimo caso, é preciso desconstruir algumas crenças e se nortear a partir de novas posturas, referências e valores.

Na carência emocional, muitas vezes a pessoa poderá usar de artifícios para que o outro não se ausente, abrindo mão de aspectos importantes da sua vida, inclusive da própria identidade. E a partir desta dinâmica, se escalonam várias perdas, pois a pessoa acredita que se fizer tudo o que o(a) parceiro(a) deseja, ele(a) irà mudar, terá mais compromisso e será mais presente. O problema é que neste contexto ele(a) talvez nunca esteve presente e não se foi observado, além do fato de que ninguém muda ninguém. Quem nunca ouviu o discurso que é a mulher que faz o homem? Nada mais absurdo

O terreno fértil para a dependência emocional é a autoestima baixa, sendo desta que os relacionamentos abusivos se nutrem. De todos os discursos de fragilidade que tenho ouvido de meus pacientes, poderia resumi-los em uma frase: “Sinto-me frágil, preciso de alguém que cuide de mim”. Nesta situação, a pessoa se entrega nas mãos do outro muitas vezes sem nenhum critério, entregando suas vulnerabilidades, como um livro aberto, e para que isso se sustente, assume o papel de “boazinha” para que esse engodo sobreviva a qualquer custo, esquecendo que relacionamentos verdadeiros e maduros acontecem e se mantém entre duas individualidades comprometidas.

Sendo assim, é muito importante distinguir com sabedoria se você está sendo uma pessoa boa ou boazinha ou se você está sendo flexível ou permissiva. Seria interessante (e guardando as devidas proporções vinculativas), que desde o início do seu relacionamento você emitisse sinais e dialogasse do que espera do outro(a). Um passo de cada vez se estiver no inicio de uma paquera ou namoro, pois uma postura de cobrança excessiva afugentara a outra pessoa.

Foto de Nika Akin no Pixabay

Lembrando que são nossos comportamentos e atitudes assertivas que constroem no dia a dia um vínculo saudável e a realidade que desejamos. Sendo assim, como você está construindo o vínculo com seu parceiro? Como você estabelece limites e faz tratativas para uma convivência saudável? E quanto ao discurso da crença de “se permitir” ser cuidado pelo outro sem reservas, esse(a) outro(a) ainda tão desconhecido(a)?

Contextualizando o que foi abordado, acredito que alguns questionamentos que foram feitos para uma paciente X são pertinentes:

O que você sabe sobre a pessoa na qual está interessada? O que você sabe da sua história de vida, como foram suas vinculações afetivo-emocionais, seus medos, traumas, perdas, lutos, condicionamentos; o que essa pessoa espera de um relacionamento e especificamente de como seriam as adaptações entre vocês dois. Permitir-se uma entrega completa a esse “outro desconhecido” seria no mínimo arriscado, tal como se jogar penhasco abaixo. Mas, o que se pode encontrar lá embaixo e além disso como lidarão com o resultado de tudo isso? Lembre-se que o voo pode ser alto, mas as asas podem ser de cera.

Sendo assim, poderíamos fazer uma proposta mais coerente: antes de entrar em uma relação é preciso avaliar como está seu autoamor, autoestima e autorrsponsabilidade para adentrar em quaisquer espaços, principalmente quando este se refere a um outro. Em um primeiro momento esse “cuidar de si e se fortalecer” poderia soar como desconexão afetivo-emocional para algumas pessoas, pois passaria um certo descrédito com aquela pessoa que se escolheu para se relacionar. Mas, e se esse outro não der conta sequer de si, de suas demandas?

Nem preciso dizer que é preciso critério e filtro no que se escolhe para fazer parte da sua vida. Portanto, seja sempre questionador(a) de tudo que lhe acontece como e porque lhe acontece. Relacionar-se é maravilhoso, deixe fluir sim, mas de modo atento. Não romantizar relacionamentos parece uma proposta contraditória, mas um estudo efetivo do terreno é a medida mais assertiva.

Portanto, o autocuidado é fundamental, nunca terceirize, é de sua responsabilidade. Como relato em meu livro Supere desilusões amorosas e pertença a si mesmo, somos a nossa eterna companhia. O outro poderá acrescentar e nutrir o que já existe e é nutrido em você, o que já é cuidado em você, o que já é validado em você e por você. Quando se espera que esta tarefa seja realizada por alguém, você corre um sério risco de ficar desapontado.
Não “abra o livro” das suas fragilidades para qualquer pessoas você poderá se deparar exatamente com aquelas manipuladoras, por química esquemática e que usará suas próprias fragilidades contra você, uma pessoa narcisista, por exemplo. Primeiro resolva e ressignifique suas questões em sua privacidade, fortalecendo sua resiliência, alimentando sua autoestima e revigorando seu amor-próprio. Como sempre digo, tudo parte primeiro de você para se expressar nas pessoas e circunstancias ao seu redor.

Autora
Soraya Rodrigues de Aragão
Psicóloga, Psicotraumatologista, Expert em Medicina Psicossomática e Psicologia da Saúde. Autora em 4 livros publicados. Escritora em vários portais, jornais e revistas no Brasil e exterior.

Nosso Instagram

Marcar uma Consulta

error: O conteúdo está protegido!!!
× Agendamento online