Uma rotina organizada é pressuposto de saúde mental em qualquer fase da vida, mas na infância é primordial para que aconteça um desenvolvimento infantil saudável. Antes da quarentena, as crianças estavam seguindo uma rotina de escola, interagindo com os coleguinhas e professores, tendo um rotina a seguir e tarefas a cumprirem. Algumas crianças também tinham atividades complementares que envolviam socialização, como treinamento de atividades esportivas como futebol, caratê, aulas de dança, de balé, e até de ioga. Estes momentos de interação social são importantíssimos não somente para o desenvolvimento psicomotor, cognitivo e emocional das crianças, mas também para o desenvolvimento do repertório de habilidades comportamentais e sociais e do sentimento de pertença fora do grupo familiar, sendo uma conquista social.

De repente, e por um motivo mais que justo, o da preservação da vida, estabeleceu-se uma nova ordem no cotidiano das pessoas. Se para os adultos este período é um grande desafio a ser enfrentado, imagine para os pequenininhos. Ficar em casa durante um período de tempo, havendo uma quebra na rotina e sendo necessário uma reorganização de vida, do estabelecimento de novas regras para as necessidades vigentes e procurar se adequar a uma readaptação no cotidiano não é uma tarefa fácil. Mas, como acontece este processo de readaptação da rotina nas crianças? Quais seriam as conseqüências de uma mudança brusca na rotina delas?

É imprescindível que a família precise estar suficientemente forte para oferecer este suporte e a escola desempenhando o seu papel na medida do possível, oferecendo dentro de seus limites a continuidade das atividades que as crianças estavam desenvolvendo e as conscientizando sobretudo que quarentena não é período de férias. A família precisa afastá-las do bombardeio de notícias que aparecem a cada minuto e que elas não têm idade para elaborá-las. As informações, principalmente para crianças deverão ser essenciais, de psicoeducaçao, ou seja, do que se trata o coronavírus, da conscientização e da responsabilidade social, bem como de medidas de higiene necessárias.

Como acontece o processo de readaptação da rotina nas crianças e quais seriam os impactos de uma mudança brusca nesta rotina?

Mesmo que as crianças apresentem maior plasticidade neuronal que os adultos, quaisquer mudanças e processos adaptativos que não são vivenciados de maneira tranqüila, geram estresse e com ele, abalo emocional, apreensão e angústia, principalmente se estas mudanças forem mal planejadas ou acontecerem de maneira abrupta como é no caso do confinamento social da quarentena. Como relatei em outros textos e também corroboro aqui, é que a quarentena é uma medida importantíssima para a contenção do vírus, sendo imprescindível respeitar as normas do Ministério da Saúde. Contudo, diante do panorama que nos é apresentado, é inegável que vamos nos deparar com mudanças comportamentais nas pessoas, principalmente nas crianças durante o confinamento, tais como irritação, choro, hipersensibilidade, agressividade, roer as unhas, birra, comportamentos regressivos e “excesso de energia”, comportamentos estes que são uma forma de linguagem, de comunicar tédio, pedido de cuidado, desnorteamento, estresse e ansiedade, que são bandeiras vermelhas que apontam para um período de transição complexa vivenciado com muita dificuldade e que podem ser mais acentuadas quanto menor for a idade da criança, bem como do impacto do estresse e suas conseqüências. Vale a pena corroborar que a atenção e o cuidado precisam ser redobrados no caso de crianças portadoras de autismo, TDAH ou ansiedade e por este motivo a família precisa estar funcionalmente sadia para oferecer o melhor suporte possível, minimizando conflitos, estabelecendo regras e cultivando um vínculo fortalecido através da compreensão, do diálogo e da empatia. É um momento rico de resgate da interação familiar, para conhecer melhor os filhos, suas vulnerabilidades e aspectos que antes não eram observados na correria do dia a dia, bem como ativar comportamentos construtivos no filho, incluindo-os de maneira lúdica na rotina. E para minimizar os impactos da quebra da rotina nas crianças e conseqüências funestas na saúde mental dos pequenos, o melhor a ser feito é estabelecer horários e rotinas com certa flexibilidade e principalmente inclui-las no cuidado supervisionado com as responsabilidades da casa, como colocar água nas plantas, colocar a comidinha e trocar a água do bichinho de estimação. Incluir jardinagem, contação de histórias e jogos interativos que agucem a curiosidade e criatividade das crianças. Certamente, este período de confinamento passará e quem sabe esta não seja uma oportunidade de uma nova organização familiar, de um vínculo maior entre pais e filhos, da criança com a ajuda dos pais desenvolverem hábitos mais saudáveis? Certamente, se medidas forem tomadas, as conseqüências do confinamento poderão ser amortizadas.

Autora
Soraya Rodrigues de Aragão
Psicóloga, Psicotraumatologista, Expert em Medicina Psicossomática e Psicologia da Saúde. Autora em 4 livros publicados. Escritora em vários portais, jornais e revistas no Brasil e exterior.

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