Uma crise depressiva é pouco conhecida e mesmo algumas pessoas que estão atravessando uma crise, não sabem exatamente o que está acontecendo no seu corpo e especificamente no seu cérebro. Neste artigo explicarei o que é uma crise depressiva, como acontece e o que precisa ser feito.
O que é uma crise depressiva?
Para contextualizar uma crise depressiva, descrevo como esta acontece na rotina de uma pessoa com Depressão:
O dia já amanheceu, mas a sensação de cansaço persiste, dormir parece não ter sido o suficiente. Com muito custo a pessoa se levanta, mas parece que nada faz sentido, é apenas um dia a mais para se levar nas costas.
Ao mesmo tempo em que a pessoa sente baixa de energia, também apresenta ansiedade, irritação, desejo de sumir, de desaparecer, de fugir para algum lugar que possa sentir paz, pois já não suporta mais as lutas da vida. Toma café, não sente gosto na refeição. O dia lá fora está ensolarado, mas tudo é percebido como cinza, nebuloso, sem cor, sem sentido, sem vitalidade.
A pessoa exausta deseja voltar para a cama, mas recebe críticas de que não tem coragem para nada, de que é uma pessoa preguiçosa, de que não tem força de vontade, de que não quer fazer nada na vida.
Pensamentos a atormentam, se culpa por não conseguir fazer tudo normalmente, se sente mal, inútil, desvalorizada. Acredita que ninguém gosta dela, que ninguém se importa com ela, que não consegue fazer nada, que é uma pessoa fracassada, desamparada. E mais sentimentos de inutilidade são acrescentados ao mal estar já instalado. Como num círculo vicioso, a baixa de energia, a exaustão e a falta de perspectiva na vida se retroalimentam.
Então, a pessoa quer se isolar, não quer falar com ninguém, não quer ver ninguém. Sente muita raiva e vontade de chorar. A hostilidade com relação a si e às pessoas à sua volta se intensificam. Sente um nó na garganta que explode em um choro compulsivo, não conseguindo reter aquelas lágrimas causticantes, mas sente frio no coração.
Tem muito o que fazer, mas o estado de exaustão é mais forte. Tenta ler para se distrair, mas não consegue se concentrar, nem absorver nenhum conhecimento. Sua produção no trabalho e no estudo baixam.
Este pequeno relato tenta reproduzir a rotina de uma pessoa depressiva. Agora imagine que uma crise depressiva apresenta todos os sintomas e sentimentos acima elencados, porém bastante intensificados. O risco de suicídio é altíssimo.
Foto de Andrea Piacquadio no Pexels
O que fazer? Como lidar?
Rede de apoio social: acolhimento de familiares e amigos é imprescindível
Muitas vezes a pessoa não recebe acolhimento da família e de sua rede de apoio social, o que piora ainda mais o quadro da Depressão. Algumas pessoas não criticam e tem até “boa vontade” para ajudar, mas na “metodologia delas”, que nem sempre é adequada, sugerem que a pessoa vá fazer algo, que ocupe sua cabeça, que vá ler, que vá para uma festa, encontrar amigos, fazer cursos.
Outras inclusive geralmente falam: “Isto é falta do que fazer, coisa de gente desocupada e preguiçosa” ou ” Deixe de frescura e encare a vida! Isso é falta de coragem”. Existe algo em comum entre a pessoa que critica e aquela que sugere comportamentos que a pessoa ainda não consegue fazer naquele momento: elas não compreendem que Depressão é algo sério, real, complexo e que precisa de muito acolhimento, compreensão e tratamento multidisciplinar.
Uma pessoa com crise depressiva não consegue absorver conhecimento, tem baixa concentração e memória, portanto em uma crise é muitíssimo complicado uma pessoa estudar e isto não significa que ela está com preguiça, significa que ela está doente.
Fazer atividade física ou caminhada é um excelente recurso, inclusive utilizado na ativação comportamental, mas em uma crise depressiva tudo o que a pessoa deseja é estar ali no seu cantinho e isso não é vitimismo e o melhor a fazer é não forçar as coisas. O mais recomendado é dar apoio, carinho, dedicação, estar presente física e emocionalmente e não deixar a pessoa sozinha, pois infelizmente há sim risco de suicídio. Nunca, em hipótese alguma e em momento algum, diga ou sugira que a pessoa é inútil ou fracassada. Neste momento, a pessoa tem muitas distorções cognitivas e uma autopercepção depreciativa, fazendo com que estas críticas entrem “sem filtro” e inclusive “comprovando” o que a pessoa sente e percebe de si. Portanto, é preciso muita empatia e cuidado, pois a pessoa não é sua Depressão, ela está passando por uma crise depressiva.
Por ser uma dor invisível, ainda há quem acredite que a Depressão é uma tristeza comum em que uma pessoa “sensível”, sem “força de caráter” prolonga ou torna a tristeza maior do que é. Na Depressão existe muita catastrofizaçao, muitos erros cognitivos, mas de forma alguma passa com o tempo, ao contrário, se cronifica. Tristeza é uma emoção primária e é passageira. Depressão é uma doença séria que precisa de tratamento. Não traz resultados positivos dizer para uma pessoa em uma crise depressiva que logo tudo aquilo vai passar, que a pessoa é “sensível” e no pior dos casos que ela não tem garra para a luta.
Definitivamente as pessoas não conseguem entender a dimensão do sofrimento e da dor emocional de quem esta vivenciando uma crise depressiva. Se pudéssemos ter um Raio X da “alma” de uma pessoa com Depressão como podemos ter de um membro do corpo fraturado, veríamos dilacerações e machucados profundos na “alma”.
É preciso compreender que estar depressivo não é uma escolha e que Depressão é uma doença séria e que precisa de tratamento e apoio familiar e social.
Qual o tratamento?
Na Depressão, a psicoterapia e a medicação são necessárias. Serão sempre bem vindos quaisquer outros tratamentos coadjuvantes, mas em momento algum em uma crise depressiva deve-se substituir a medicação.
A medicação tem sua importância porque na Depressão a bioquímica do cérebro está alterada, pois neurotransmissores importantes estão em baixa quantidade entre os espaços sinápticos. Por outro lado, a psicoterapia tem sua importância no tratamento dos gatilhos ambientais, das distorções cognitivas e na ressignificaçao de perdas e traumas. Portanto, psicoterapia é fundamental.
Autora
Soraya Rodrigues de Aragão
Psicóloga, Psicotraumatologista, Expert em Medicina Psicossomática e Psicologia da Saúde. Autora em 4 livros publicados. Escritora em vários portais, jornais e revistas no Brasil e exterior.
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