Tudo o que investimos e estruturamos preventivamente apresenta menor probabilidade de desabar em conflitos e crises. Contudo, mesmo que exista cuidado, uma crise conjugal pode se instaurar em qualquer relacionamento em maior ou menor grau, pois sentimentos de ambivalência fazem parte do nosso mundo emocional. Alguns momentos específicos como o nascimento de um filho, problemas financeiros ou na administração do lar, “esfriamento da intimidade”, a rotina que para alguns casais levam ao tédio, desconexão emocional, incongruência de valores e expectativas, falta de parceria, problemas com a família do cônjuge, bem como os desafios rotineiros do dia-a-dia que vão se amontoando para debaixo do tapete na premissa de que o tempo se encarregará da solucionar os impasses. Nem tudo o tempo cura ou resolve, alguns inclusive se cronificam. Portanto, precisamos ser mais ativos em nossos relacionamentos.
Caso não seja devidamente identificado em tempo hábil, um desafio rotineiro pode escalonar num conflito e posterior crise. Quando o casal não tem congruência de valores e maturidade para aprofundar numa relação, bem como poucos recursos adaptativos para manejar os desafios provenientes de um vinculo, a crise conjugal se deflagra, podendo ser interpretada como fracasso ou fim da relação. Contudo, toda crise se superada, nos traz aprendizados e resiliência e não é diferente nos relacionamentos.
O que ocasiona uma crise é um problema cronificado e por este motivo não pode ser negligenciado, precisando ser administrado com cumplicidade, empatia, maturidade e muito diálogo para compreender as dinâmicas que estão acontecendo naquele momento e que precisam ser esclarecidas e solucionadas. Isso porque um relacionamento é uma excelente oportunidade de autoconhecimento e crescimento pessoal, visto que através do parceiro, podemos compreender como dinamizamos conosco na relação com o outro, bem como funcionamos nas situações desafiantes da vida. Dito de outra forma, através de uma dinâmica com o outro, poderemos entrar em contato com o mais íntimo do nosso ser, nosso lado luz e sombra e um vínculo com outra pessoa oferece essa possibilidade.
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Reitero que uma crise conjugal é sempre um comunicado de alerta ao casal de que é necessário rever pontos fundamentais daquele vínculo, podendo ser um meio eficaz de fortalecimento do próprio relacionamento, caso a crise seja solucionada de maneira assertiva. Infelizmente, alguns casais decidem em separar-se na primeira crise, no primeiro tédio, perdendo a oportunidade em aprofundar nas questões daquela relação através das frestas que se abriram.
Sem o intuito de fazer nenhum julgamento, que não é o caso, observo que para muitas pessoas consertar algo dá muito trabalho, sendo mais fácil jogar fora aquilo que é considerado desgastado para começar algo novo, iniciando um novo relacionamento sem ter sido trabalhados os desafios do relacionamento anterior. Quando feridas não são cicatrizadas, muitas vezes é o(a) parceiro(a) do próximo relacionamento que termina por “pagar a conta” das pontas que não foram aparadas, das dores sofridas, do que ficou por dar um novo significado.
Sugiro antes de tudo que o movimento seja a identificação dos comportamentos e padrões disfuncionais da relação no intuito de trabalhá-los, pois repito, o que acontece é que a pessoa leva estes mesmos comportamentos e padrões para uma outra relação, via de regra repetindo os mesmos erros cognitivos e comportamentais da relação anterior. Gostaria de ressaltar, neste caso, que não me refiro a relacionamentos abusivos, caracterizados pelo desrespeito, desvalorização, hostilidade e manipulação, onde as agressões físicas, verbais e emocionais embotam e sufocam qualquer possibilidade de uma convivência salutar, inclusive comprometendo a saúde mental. Refiro-me especificamente àqueles relacionamentos que estão atravessando uma dificuldade, onde o liame da conexão se perdeu, dando espaço a uma crise circunstancial ou mesmo profunda e que precisa ser confrontada e superada.
O “outro idealizado” precisa dar espaço para a percepção e aceitação de um ser humano real para um encontro pleno e genuíno em um relacionamento estruturado e maduro. Portanto, fique atento(a) às primeiras dificuldades do seu relacionamento, identificando preventivamente as fontes de conflito, para que as diferenças entre os parceiros sejam fonte de desenvolvimento para ambos e não munição para o desencadeamento de um conflito. Na maioria das vezes é necessário ajuda profissional, uma terapia de casal, para que através de um psicologo, a dinâmica do casal seja observada com neutralidade, o que em um envolvimento afetivo-emocional não foi possível identificar pelo envolvimento emocional e vinculativo.
Autora
Soraya Rodrigues de Aragão
Psicóloga, Psicotraumatologista, Expert em Medicina Psicossomática e Psicologia da Saúde. Autora em 4 livros publicados. Escritora em vários portais, jornais e revistas no Brasil e exterior.
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