Ultimamente tenho escutado a mesma queixa em que as pessoas relatam estar vivenciando conflitos familiares e não sabem o que fazer para solucioná-los. Diante da queixa recorrente, faço uma associação do aumento destes conflitos com o período da quarentena, onde as pessoas adaptaram suas vidas em casa e por conta disso estão tendo um contato mais próximo com os filhos, o cônjuge ou parentes próximos. Em vista disto, houve um aumento significativo de queixas de desentendimentos e discórdia, incluindo agressões psicológicas e até mesmo físicas. Pelo discurso das pessoas, tenho a impressão de que elas estão “se descobrindo” neste período, visto que até aspectos, características e hábitos do outro parecem ser estranhos, desconhecidos e até mesmo absurdos. As pessoas parecem estar “por um fio”, na carga máxima de estresse, demonstrando falta de manejo nas relações familiares. Neste panorama, casos de violência doméstica, separação conjugal e conflitos com os próprios parentes, incluindo os do cônjuge também aumentaram. A pergunta que não quer calar é: será que as pessoas conviviam mas não se conheciam?
Todos sabemos que relacionamentos são complexos, apresentando dificuldades e desafios constantes. Contudo, tenho observado que as pessoas raramente se responsabilizam em aceitar sua parcela na dinâmica adoecida, sendo sempre o outro a pessoa difícil de se relacionar. Para contextualizar esta temática, faço uma metáfora de um relacionamento dificil como dirigir um carro em uma avenida movimentada às 19: 00h. Ali, passam todos os tipos de meio de transporte e que não é incomum que alguns deles desrespeitem regras essenciais para a boa locomoção de todos, como o aumento de velocidade, manobras perigosas e ultrapassagem de limites. Inclusive existe um ditado popular que reza que em algumas situações, precisamos dirigir por nós e pelos outros para não colocar a própria vida em risco. Assim, são os relacionamentos disfuncionais, onde uma das partes é passiva e a outra agressiva. Em alguns momentos, precisamos ter maturidade suficiente pelo sistema relacional como um todo para a partir daquele ponto ocorrer uma conscientização e um possível aprendizado através do exemplo prático. O que está faltando nas relações são o treino de habilidades relacionais e o desenvolvimento de competências emocionais para que haja um equilíbrio. Isto porque de algumas relações poderemos nos desvencilhar, caso se trate de relacionamento abusivo, mas em outros relacionamentos precisamos investir na educação e o exemplo clássico é o vínculo com os filhos.
Como disse anteriormente, de relacionamentos abusivos poderemos nos desvencilhar, como por exemplo, o marido ou a esposa, o parente que não sai da sua casa e que se intromete em tudo, inclusive impondo regras em um lugar que não é o dele(a). Quem nunca teve? A questão é que quando resolvemos dividir a vida com alguém e principalmente se este relacionamento desenvolver em casamento, teremos sim que nos relacionar em maior ou menor grau com a família da esposa ou do marido. O pacote sempre vem junto e por isto insisto fortemente para que as pessoas conheçam não somente o futuro cônjuge, bem como o modelo da sua família, de como se comportam, de como se relacionam. É preciso saber em que campo estamos pisando e quem será a extensão da nossa família. Sim, muitas vezes relacionar-se é dirigir uma avenida no horário de pico, onde a preferencial é sua, mas o outro ultrapassa na maior velocidade possível e ainda buzina no seu ouvido(fala o que não deve) ou faz algum gesto estranho (comportamento disfuncional).
Mas, sendo filho, amigo, sogra, irmão, cunhado, parente ou aderente de 1, 2 ou de 3 grau, sempre vai existir aquele ou aquela que não respeita as regras da boa convivência. O que fazer nestes casos? Elaborei 3 regras essenciais.
1- Cultivar o diálogo:
Dialogue, mostrando de forma respeitosa e empática que as regras da sua casa são estabelecidas por você e que precisam ser delimitadas e respeitadas. Como já relatei em um artigo anterior, o diálogo é tão importante que pode solucionar um mal-entendido ao mesmo tempo em que demarca de maneira assertiva através de uma comunicação nao-violenta o que é necessário ser delimitado. Infelizmente, existem pessoas mal educadas emocional e relacionalmente que só vêem seu “ponto de vista” e que não são capazes de se colocar no lugar do outro. Mesmo assim faça sua parte, mantendo seu equilíbrio emocional e mantendo com a pessoa “incompreensível” um distanciamento saudável e respeitoso. Ela ainda tem muito que aprender.
2- Treino da assertividade:
Esta é uma competência emocional e relacional pouco utilizada. Geralmente, as pessoas são passivas, agressivas ou passivo-agressivas. A assertividade pode ser treinada e está diretamente relacionada com a capacidade de uma comunicação eficiente, de modo a expressar de maneira clara, autentica, decidida, proativa, segura, direta e pacifica o que se pretende transmitir para o outro.
3- Seja tolerante, todos estamos em aprendizado:
Não faça tempestade em copo d’agua, observe se você está sendo intolerante ou catastrofizando a situação. A palavra de ordem é ter bom senso, ser tolerante, flexível em fazer acordos que possam beneficiar a todos, fazendo leituras ambientais de maneira mais racional e respeitando os limites e espaço do outro. A tolerância é a capacidade de reconhecer no outro uma alteridade que é igualmente legítima, onde a partir destas diferenças temos a oportunidade única de olhar o mundo com as lentes do outro.
Autora
Soraya Rodrigues de Aragão
Psicóloga, Psicotraumatologista, Expert em Medicina Psicossomática e Psicologia da Saúde. Autora em 4 livros publicados. Escritora em vários portais, jornais e revistas no Brasil e exterior.
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