O termo metanóia foi criado por Carl Jung, e em linhas gerais diz respeito a um período “divisor de águas”, em que a pessoa passa por profundas reflexões e avaliações do que ela fez até então de sua vida, dos caminhos que percorreu, se de fato se sente realizada e se está alinhada com seu propósito de vida, aquele propósito que a essência de cada um clama por realização.
A metanóia geralmente apresenta-se na meia-idade, na metade do nosso percurso existencial. Para alguns, esta crise é uma verdadeira turbulência, para outros nem tanto, mas de qualquer forma e em algum nível é um período de “balanço” do que foi feito na vida, do que foi plantado e do que foi colhido. Dos erros e acertos. Das apostas feitas na vida, daquelas que vingaram e das que feneceram. Dos vínculos afetivos com filhos, cônjuge e amigos, bem como dos vínculos que não foram estabelecidos.
Em um sentido mais profundo, é uma busca por ampliar a própria consciência, entrar em introspecção, em reflexão, num movimento de retorno para si. Em termos psicanalíticos, seria um retorno ao self em contrapartida a um certo afastamento do ego.
Neste momento do voltar-se para si, nos enriquecemos com a diversidade, com a riqueza do que somos e que estavam ali latentes esperando o momento de um olhar nosso para o seu desabrochar.
Facetas da nossa “persona” ainda não nos tinham sido reveladas, gostos, pendores não estavam ali “conscientes” de modo que ao olharmos no espelho da nossa existência, questionamos quem de fato somos e porque mudamos tanto. Muitas escolhas no percurso da vida foram feitas por algum motivo vigente naquele momento e que foram válidas. Contudo, esse deparar-se com o nosso “eu transparente” pode causar um certo estranhamento, um vazio existencial. A pergunta corriqueira é quem de fato somos e se estamos realizando nosso propósito.
Foto de maxime caron en Unsplash
Quando a pessoa não vive alinhada com seu propósito de vida, pode ocorrer o vazio existencial. Parece contraditório, mas no vazio existencial não há nada de vazio, muito pelo contrário, a pessoa está em um transbordar de faltas.
No vazio existencial a “alma” está abarrotada, cheia. Repleta de desesperança, de incertezas, de angústias, de dissabores, de falta de sentido, de ausência de si mesmo. Está abarrotada de uma bagagem difícil de carregar, onde dentro desta se encontram sentimentos de tristeza, frustração, culpa, medos. No vazio, o sentimento preponderante é a desconexão com a sua verdade e a falta de si mesmo neste momento é tão importante quanto saber o próprio lugar no mundo, pois a pessoa questiona “onde ela está” e qual o lugar que ocupa em si.
O resultado desta desconexão, da falta de encontro consigo é traduzido como sentimento de vazio, que como foi dito, não tem nada de vazio. Ali, coabitam sentimentos sorrateiros que urgem por manifestar-se e que já foram mencionados. O vazio existencial é doloroso, e embora este caminho seja sombrio, contraditoriamente é potencialmente criativo e libertador, pois ao se deparar com as próprias sombras e faltas, se tem consciência delas para atuar nesta dinâmica da melhor forma possível.
O vazio existencial e a crise da meia-idade podem levar a pessoa a mergulhar em si e inclusive tem um fundamento filosófico existencialista, onde questionamentos importantíssimos sobre a vida, a existência, sua impermanência e a finitude, somente são possíveis em momentos de profunda reflexão e indagações sobre a vida, sobre escolhas feitas e do que fazemos da nossa vida. Questionamentos comuns são: “Qual o sentido disso tudo”? “Será que tudo que foi vivido valeu a pena”? Nesse momento é preciso reavaliar a vida, com questões cruciais e que vai de cada um.
Contudo, é preciso ter muita atenção e cautela para discernir quando se trata de uma busca por si para encontrar respostas para a vida ou um estado depressivo que pode desencadear uma Depressão propriamente dita. A linha pode ser muito ténue.
Uma outra possibilidade da manifestação do vazio existencial é através da fuga em afrontar as próprias sombras. Essa possibilidade em lidar com a dor da angústia gera mais angústia, pois tudo aquilo que não afrontamos cria força à nossa revelia. Sendo assim, para fugir dessa dor, algumas pessoas tentam se distrair e “preencher esse vazio” com vícios em internet, álcool, compras ou ir à festas de maneira compulsiva. Tanto a modalidade de fuga e a intensidade da mesma varia de pessoa para pessoa.
Seja mergulhando em si para encontrar-se, como se distraindo de si para distanciar-se, qualquer caminho leva ao mesmo ponto, pois é exatamente no auge do sol do meio-dia em que nossas sombras diminuem para que possamos vislumbrar resplandecente o nosso lado luz que agora reivindica por manifestar-se. Permita-se viver a sua essência, a sua “realidade”.
Autora
Soraya Rodrigues de Aragão
Psicóloga, Psicotraumatologista, Expert em Medicina Psicossomática e Psicologia da Saúde. Autora em 4 livros publicados. Escritora em vários portais, jornais e revistas no Brasil e exterior.
Você precisa fazer login para comentar.