Criar laços com o outro é uma necessidade primordial e em alguns casos até mesmo uma questão de sobrevivência. Um exemplo disto é o caso dos bebês. Sem vínculo, sem laços, não há garantia que uma criança desenvolva suas funções mais importantes, comprometendo, inclusive a formação de sua identidade. Durante toda a nossa existência, as nossas relações e o que fizermos de nossas vidas só terão sentido se estiverem embutidas por conexões, por uma “liga”, por um elo que nos une ao outro numa relação de permuta, de aconchego, afeto, carinho, compreensão e cumplicidade, delineando desta forma, um vínculo saudável. Neste contexto e fazendo uma leitura específica para relacionamentos amorosos, a reflexão que gostaria de aprofundar é: Até que ponto, enquanto adultos conscientes, nos permitimos ser suscetíveis, vulneráveis ou mesmo passiveis nas relações em que nos envolvemos? Concordo plenamente que devemos ser responsáveis pelas coisas e pelas pessoas as quais escolhemos nutrir afeto, a quem escolhemos amar, mas até que ponto esta responsabilidade poderia perdurar se por algum motivo esta conexão falhar, se o elo que une se quebrar, se o laço se desfizer? O que poderia acontecer se por uma “discordância do destino” o que parecia perfeito e eterno, deixasse de fazer sentido? Até que ponto o outro carregaria “eternamente” uma responsabilidade pelo nutrimento do afeto ao outro por um vinculo que não pode se manter no decorrer do tempo? Lembrando que vínculos estão constantemente se dinamizando, se (re)criando, fechando ciclos, se alinhavando em novas roupagens.

Na premissa de que o outro é eternamente responsável por um dia nos ter cativado, será que não estaríamos alimentando uma relação onde o lugar que escolhemos para nós seria de passividade e para o outro o de encargo e obrigação por nossa felicidade? E se por algum motivo que seja esta relação não mais se sustente, de quem passa a ser a responsabilidade pelo meu bem estar: minha ou do outro que se dizia eternamente responsável por ter me cativado? Sinceramente não esperaria que o outro detivesse este poder, muito menos quando não mais existisse laço, muito menos afeto, pois quero ser mãos que se entrelaçam ao outro no caminhar desta vida e não uma bagagem pesada arremessada ao outro quando a viagem chega ao fim. São nestas crenças, de que o outro é “eternamente” responsável por nós, que muitas vezes nos iludimos em verdades que na vida prática não se mantém, sequer existem. Difícil e até mesmo cruel para conosco fundamentar a nossa vida em crenças que não se comprovam, em bases que não se sustentam, pois a impermanência da vida me indica ininterruptamente que por mais que o outro me ame e crie laços profundos comigo, a responsabilidade por minha felicidade não deve ser delegada a ninguém. Esta responsabilidade é sobretudo minha, pois também sou responsável por aquilo que me permito ser cativado.

Texto cadastrado. @copyright 2020 Crédito da imagem: Pixabay.

Autora
Soraya Rodrigues de Aragão
Psicóloga, Psicotraumatologista, Expert em Medicina Psicossomática e Psicologia da Saúde. Autora em 4 livros publicados. Escritora em vários portais, jornais e revistas no Brasil e exterior.

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