Como relatei em um artigo anterior, a Depressão não é a mesma para todas as pessoas, visto que cada pessoa tem seus pensamentos automáticos, seus erros cognitivos e crenças, de modo que não é efetivo para um tratamento eficaz, tentar formatar, pois o que serve para um, muitas vezes não é bom para todos.

Não há “receita pronta”, mas sim um mapa panorâmico para nos orientar nesta caminhada, sendo necessário muita sensibilidade, empatia e prática clinica do psicologo para adaptar a história de vida do paciente aos procedimentos que precisam ser realizados e ressignificados. Vale a pena salientar que as crenças de desamor, desvalor e desamparo não estão presentes somente na Depressão, mas que necessariamente uma ou mais destas crenças estão presentes em estados depressivos. Irei explicar cada uma delas a seguir.

Crenças centrais

As crenças centrais ou nucleares de desamor, desvalor e desamparo são crenças distorcidas, irracionais e inconscientes, ou seja, são erros cognitivos enraizados, verdades absolutas cristalizadas, rígidas e inflexíveis que podemos ter de nós, dos outros, do mundo e do futuro. Estas crenças são formadas desde o nascimento, perpassando esta construção na infância, na adolescência e adultez. Vale a pena salientar que a infância é um período delicado, não menos importante também a adolescência, visto que neste período há a formação da personalidade da pessoa.

Você deve estar se questionando se uma pessoa abandonada, desvalorizada ou desamparada não estaria correta em suas crenças, por conta de uma história de vida repleta de penúria. Contudo, aqui trata-se de crenças inflexíveis em que não há nenhum espaço para uma ressignificaçao, sendo necessário dentre alguns procedimentos realizar o questionamento socrático e a auto compaixão. É preciso sair deste lugar de penúria para de protagonista. Parafraseando Sartre, pois não é o que fizeram com você, mas o que você faz daquilo que fizeram com você. Em outras palavras, dar a si mesmo o que não deram, desenvolvendo habilidades para aprender a se cuidar e a se nutrir.

As origens dessas crenças são multifatoriais, sendo compostas pelo temperamento, fatores ambientais, fatores genéticos, traumas, doenças físicas ou mentais em curso, enfim, o que acontece direta e indiretamente à pessoa. Vale a pena lembrar acerca da importância de como a pessoa percebe e decodifica suas experiências.

As crenças centrais geralmente são distorcidas e negativas, ocasionando muito sofrimento e requerendo reestruturação cognitiva. Isto porque, devido à percepção distorcida e conseqüente comportamento disfuncional da pessoa, estas crenças tendem a se confirmarem (profecia autocomprovatòria), pois se repetem e comprovam a crença da pessoa, fazendo com que estas se tornem ainda mais cristalizadas e conseqüentemente ocasionando ainda mais sofrimento. Neste contexto, a pessoa cria estratégias compensatórias para lidar com o sofrimento oriundo destas crenças, e caso estas estratégias sejam igualmente disfuncionais, ocasionam muitos problemas emocionais e distúrbios, como ansiedade e depressão. Falarei sobre as estratégias compensatórias em outro texto.

Crença de desamor

A pessoa acredita não ser digna ou merecedora de receber afeto, de ser amada, apresentando crenças de rejeição e abandono, pois “tem certeza” que em algum momento será abandonada por se sentir defeituosa e indesejável, uma pessoa sem nenhum atrativo para manter vínculos.

Exemplos de pensamentos automáticos da crença de desamor: “Nunca serei amado(a) verdadeiramente”, “Cedo ou tarde, meu parceiro me abandonará, quando descobrir os meus defeitos”, “Quem poderia se interessar por mim do jeito que eu sou?”, “Nenhum relacionamento que tenho vai para frente, melhor mesmo não se envolver” – neste último pensamento automático, também temos uma estratégia compensatória disfuncional, o de se esquivar de relacionar-se, o que não resolve o problema a médio ou longo prazo.

Foto de MART PRODUCTION no Pexels

 

Crença de desvalor

A pessoa acredita nao tem valor algum, que ela é incompetente, que nao faz nada certo, nada que agregue, que é um lixo, que é uma pessoa ruim, desequilibrada, louca, fracassada, inadequada e que nao merece nada, sequer viver. Quando cogita em alcançar algum objetivo, logo vem pensamentos de que nao adianta tentar, que vai fracassar e que nao vai conseguir.
Exemplos de pensamentos automáticos da crença de desvalor: ” Não valho nada mesmo”, “Me sinto um lixo, uma pessoa desqualificada”, “Se não valho nada, de que adianta continuar tentando?”, “Eu sou o próprio fracasso”. A pessoa acredita não ter valor algum, que é incompetente, que não faz nada certo, nada que agregue, que é um lixo, que é uma pessoa ruim, desequilibrada, louca, fracassada, inadequada e que não merece nada, sequer viver. Quando cogita em alcançar algum objetivo, logo vem pensamentos de que não adianta tentar, que vai fracassar e que não vai conseguir. Eu sei que essas afirmações são contundentes, mas são aquelas que mais escuto na clinica em pessoas com crença de desvalor.

Crença de desamparo

A pessoa se sente vulnerável e fragilizada, acreditando ser incapaz de se cuidar, de se proteger, de realizar seus projetos de vida.

Exemplos de pensamentos automáticos na crença de desamparo: “Me sinto inadequado(a), logo não irei à festa”, “Isso sempre acontece justo comigo”, “Tudo para mim é inacessível”.

Tenho observado que na maioria das vezes, estas três crenças estão implicadas, geralmente podendo uma ativar as outras. Se na depressão associarmos como fatores a genética, as contingências ambientais adversas ou estressantes e acrescentarmos com as três crenças ativadas simultaneamente, verificamos infelizmente um verdadeiro combo na vida da pessoa. Por este motivo, é importante que a pessoa conheça suas crenças, saiba lidar com as mesmas, e não menos importante aprender a fazer a gestão do estresse.

O psicólogo pode ajudar o paciente em suas crenças disfuncionais, avaliando seus pensamentos automáticos e abrindo um leque de possibilidades que possam explicar um determinado evento que impactou a sua vida e que o fez sentir-se abandonado, desvalorizado ou desamparado. O objetivo da psicoterapia neste caso específico é flexibilizar as crenças cristalizadas e levar o paciente a questionar acerca de outras possibilidades que poderiam explicar aquela determinada situação.

Para facilitar o raciocínio, vou citar um exemplo:
Você percebe seu cônjuge, pensativo, distante, um tanto preocupado. Então, você questiona o que se passa que está “tão longe”, e ele simplesmente responde com o “olhar vazio” que está com dor de cabeça e que só precisa de um tempo para relaxar. Caso tenha a crença de desamor ativada você irá pensar automaticamente que ele está distante porque tem outro/ outra, porque não lhe ama mais, porque perdeu o interesse em você, etc. Então, você passa a se comportar com desconfiança, ciúme e aspereza. Existe um leque de possibilidades explicativas para o comportamento dele: estar preocupado com o trabalho, com o pagamento de contas, com o montante de coisas que precisa resolver e que de fato por conta disso esteja com dor de cabeça. Observe se esse comportamento é recorrente e se há outras evidencias que comprovem o que você está pensando. O “pensamento distante” pode ser por vários motivos, inclusive o que você cogitou ou simplesmente o que ele disse: uma simples dor de cabeça. Mas somente irá descobrir através de evidências factíveis, de fatos comprovados e não simplesmente porque você pensou em uma possibilidade de traição. Entenda que pensamentos não são fatos e que o diálogo é uma ferramenta indispensável em qualquer relacionamento. Portanto, cautela com as leituras mentais.

Por isso, é importante abrir um leque de possibilidades que expliquem o acontecido, fará com que a pessoa reflita se o que ela acredita ser verdade se trata de crença ou constatação e que em ambos os casos, existe sempre um posicionamento novo diante do que ocorreu, pois quando o pensamento muda, o sentimento e o comportamento também mudam.

O paciente depressivo tenderá a traduzir alguns comportamentos de acordo com suas crenças ativadas, geralmente colocando uma lente de aumento nos fatos, catastrofizando situações e assim dificultando sua vida nas relações sociais, lavorativas e amorosas. Isto porque como já foi dito, a pessoa carrega suas crenças como verdades inelutáveis, podendo adaptá-las e generalizá-las em vários contextos da sua vida. E para evitar o mal estar, a pessoa se esquiva, se isola, sendo esta uma estratégia compensatória disfuncional a longo prazo, pois neste momento o que a pessoa mais precisa é estar com sua rede de apoio ativa.

Autora
Soraya Rodrigues de Aragão
Psicóloga, Psicotraumatologista, Expert em Medicina Psicossomática e Psicologia da Saúde. Autora em 4 livros publicados. Escritora em vários portais, jornais e revistas no Brasil e exterior.

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