Esse artigo é um alerta para as pessoas que estão atravessando uma crise depressiva, bem como para seus familiares e amigos. Por favor, suspendam toda e qualquer avaliação e comparação em estados depressivos, principalmente em uma crise, pois nesse estado a pessoa está ressoando com muitos sofrimentos existenciais, onde há muita dor emocional, vulnerabilidade e fragilidade. Sim, a pessoa sente um vazio imenso e tudo o que ela fizer será com algum ou muito custo, como cumprir atividades simples do dia a dia, desde tomar um banho ou preparar uma refeição.
Para contextualizar os pontos que elucidarei a seguir, gostaria que você imaginasse um atleta que participa de todos os campeonatos, mas que infelizmente antes de um deles, o atleta infelizmente sofreu uma lesão nos ligamentos do tornozelo, ocasionando inflamação, dor e inchaço. Medidas precisam ser tomadas, desde uma radiografia ao uso de analgésicos e pomadas tópicas para dor e principalmente descanso para uma recuperação eficaz. Contudo, digamos que a pessoa lesionada desconsidere sua dor e decida participar do campeonato. Ela que nesse momento precisa de recuperação e que um simples passo geraria muita dor, insiste em correr! E correr com pessoas que não sofreram nenhum tipo de lesão. Ela certamente não suportará a dor e desistirá, podendo se instaurar sentimentos de impotência, inutilidade, decepção e fracasso, mesclados com raiva de si e da vida.
Pois bem, algo parecido acontece com uma pessoa com depressão, principalmente se ela está atravessando uma crise depressiva. Na depressão, toda e qualquer avaliação ou comparação serão injustas e cruéis. Sendo assim, é preciso compreender as seguintes questões a seguir:
1- Irritabilidade não é antipatia:
Pessoas com depressão estão com o humor alterado, onde muitas vezes se encontram distantes, como se estivessem desligadas do mundo. Em algumas ocasiões, elas serão reticentes ou mesmo expressarão “mau humor”. Amigos e familiares, não levem isso para o lado pessoal. Tentem compreender que o que seu ente querido mais precisa é de apoio e compreensão e nunca diga: “Eu passei por algo pior e não fiquei depressivo”. Como sempre digo, a dor é de quem sente, não existe dor maior ou pior. Sofrimento é sempre sofrimento e respeito à dor do outro é fundamental.
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2- Ideação suicida não significa exatamente vontade de morrer:
A ideação suicida e os pensamentos recorrentes de morte não estão somente associados a uma forma de se esquivar do próprio sofrimento mas também é uma estratégia de autopunição, por não ter dado conta de alguns processos da vida. Existe muita raiva de si e da vida, onde a pessoa não se perdoa por ter falhado em algum aspecto e que (de acordo com a percepção dela), ocasionaram algumas perdas em sua vida. Portanto, a pessoa precisa elaborar o que a faz sentir raiva de si mesma e deste modo trabalhar os conteúdos e sentimentos que alimentam a autopunição e a desesperança. A ideação suicida é um pedido de socorro, nunca subestime.
3- Cansaço persistente não é preguiça:
O cansaço persistente de uma pessoa depressiva não é preguiça. Como já foi dito no item 1, a pessoa faz atividades com grande custo. Cada passo, cada atividade são realizados com grande esforço. Portanto, nunca faça comparações tais como: “Você está de corpo mole, porque não tem mais garra?”, “Olha, o dia está lindo lá fora, que tal sair da cama e fazer uma caminhada ou correr”? Colocações desse tipo de pouco ou nada adiantam. O que pode acontecer é contribuir para que a pessoa se sinta mais culpada e inútil, o que não ajudará em nada.
Uma das técnicas iniciais que utilizo em meus pacientes com depressão, é a Ativação Comportamental (AC). Em linhas gerais essa técnica consiste no paciente se engajar em atividades em seu dia a dia, objetivando a retomada de atividades de forma gradual, e que conseqüentemente irão impactar positivamente em seu universo relacional, no seu estado de humor, em suas emoções, em sua energia vital, em suas habilidades socioemocionais e conseqüentemente na cura da depressão. A pessoa realmente precisa reorganizar seu dia a dia, encontrar prazer e motivação no engajamento de suas atividades, mas sem “críticas construtivas”, comparações e avaliações destrutivas. Um passo de cada vez e sempre!
4- Dificuldade de aprendizagem, de concentração e memorização na depressão são estados transitórios:
Esse ponto é de fundamental importância, e precisa ser elucidado, visto que tenho observado em meus pacientes, principalmente no grupo de estudantes com depressão, uma queixa já bem conhecida e recorrente: dificuldades cognitivas. Pacientes relatam que não conseguem se concentrar nas atividades acadêmicas, que não apresentam mais a mesma performance de internalização de conhecimentos e de memorização, por mais que se esforcem. Alguns inclusive relatam que não são mais inteligentes. Veja bem: dificuldades cognitivas fazem parte dos sintomas da depressão e uma vez tratada, a pessoa voltará a apresentar a mesma capacidade cognitiva de antes, não sendo um estado permanente, portanto. Mais uma vez reitero que em um quadro depressivo todas as avaliações e comparações precisam ser suspensas. E aqui peço que não sejam somente as comparações de terceiros, mas as suas próprias avaliações, pensamentos invasivos de ineficácia, de inutilidade e de frustração. Seja compassivo com você mesmo. Você não é sua depressão e depressão tem cura.
Crédito foto de capa: Foto de Karolina Grabowska no Pexels
Autora
Soraya Rodrigues de Aragão
Psicóloga, Psicotraumatologista, Expert em Medicina Psicossomática e Psicologia da Saúde. Autora em 4 livros publicados. Escritora em vários portais, jornais e revistas no Brasil e exterior.
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