Toda nossa história de vida permanece viva e possui dinâmicas próprias. Em outras palavras, temos um passado presentificado, muitas vezes não consciente e com peso em nossas decisões e comportamentos. Afetivamente falando, buscamos nos relacionamentos amor, carinho, atenção, respeito e parceria, mas muitas vezes isso não acontece, ou pior, acontece exatamente o oposto.

Diante da frustração, temos nossos discursos internos que tentam explicar o falimento daquele vínculo: “sou dedo podre”, “não tenho sorte no amor”, “não soube levar a relação”, “sempre atraio o mesmo perfil de pessoas”, “onde falhei”, “não sou atraente”, dentre outras explicações. Contudo, muitas vezes esquecemos de analisar um aspecto muito importante: como suas necessidades foram atendidas na infância, e se de fato foram. Como foi a construção da sua autoestima? Mas, você deve estar se questionando: o que isso tem a ver com relacionamentos fracassados? A resposta é: porque consciente ou inconscientemente levamos para os relacionamentos conjugais as necessidades que não foram atendidas na infância e é neste ponto que se encontra o x da questão.

Não quero ser reducionista, mas quando tratamos de vínculos é inevitável colocar luz num ponto importante: a infância. E digo isso porque a maioria das pessoas levam para o relacionamento amoroso uma criança interior ferida, machucada, rejeitada e injustiçada, com crenças enraizadas do que significa relacionar-se, pertencer. A partir desses moldes dos aprendizes familiares e de seus cuidadores primários, a criança internalizará em seu processo de desenvolvimento e sem nenhum questionamento o que esperar e como comportar-se numa relação.

Como uma esponja, a criança absorve e acredita que aquela forma de relacionar-se é a correta, a funcional, sem questionar racionalmente o que pensam e dizem dela e o porquê de estar sendo tratada de uma determinada forma. Por exemplo: com comparação, menosprezo ou ausência de afeto. Por não possuir o crivo da racionalidade, ela aceita o que disseram dela como verdade, levando isso para a vida, criando padrões de comportamentos e de relações. Não estou em nenhum momento dizendo que todos os pais e cuidadores tratam suas crianças assim, mas sabemos que isso é fato, acontecendo por negligência, despreparo ou mesmo falta de conhecimento. Os pais deram (ou acreditaram que deram) o seu melhor de acordo com suas condições e com seu grau de desenvolvimento.

A “completude” que algumas pessoas procuram em um parceiro afetivo, na realidade é aquela que não foi recebida no processo do desenvolvimento. Nesse contexto, a pessoa procura vivenciar o que não foi recebido a contento em seu vínculo infantil, projetando em suas relações afetivas e esperando do outro que este as complete. No entanto, algumas vezes e por vários motivos o que se espera do outro mais uma vez não é atendido, fazendo com que o sentimento de abandono, rejeição, troca ou desvalorização se reverberem, confirmando assim mais uma vez as percepções infantis do adulto sobre si mesmo e cristalizando essas crenças.

Enquanto não for compreendido o real sentido do seu desalento, por essa busca de amor,  do vazio que existe dentro de si, da fome de afeto, você continuará aceitando do outro qualquer coisa que ele possa oferecer para continuar ali num cantinho qualquer, mesmo que a contragosto, pois ter pouco é melhor que nada. É imprescindível conscientizar-se de como seu mundo interno funciona para proceder à etapa seguinte: seu processo de cura. Este sempre passa pelo autoconhecimento.

Foto de Gustavo Fring no Pexels

Deste modo, reitero: o que buscamos no outro, é o que a nossa criança não teve. Essa criança precisa ser curada antes de qualquer investimento afetivo-emocional, porque agora, enquanto adultos, precisamos nos tornar conscientes do que nos falta para nos oferecermos primeiro o que queremos receber do outro. Sendo assim, é preciso aprender a nutrir a própria alma, aprender a investir afetividade em nós mesmos. Enquanto adultos, precisamos nos questionar se não podemos fazer melhor por nós, do que nossos pais ou cuidadores não fizeram, pelo que não puderam oferecer. Neste momento você pode escolher romper velhas crenças se oferecendo amor, cuidado, carinho e iniciando, desta forma, um processo de cura interior, ou seja, oferecendo a si mesmo o que lhe falta e aprendendo a nutrir-se afetivamente.

Para fortalecer o adulto interno e viver relacionamentos saudáveis, com adultos igualmente saudáveis, é imprescindível se autoconhecer e ressignificar experiências “pendentes”, sendo necessário curar a criança ferida que ainda espera amor, que ainda anseia por validação, onde experiencias do passado, espectro dos seus anseios mais profundos, ainda deseja ser querida e valorizada pelo “outro afetivo”, em que se tem a formação de um vínculo.

Este não é o único, mas o principal fator para a compreensão da busca pelo preenchimento de si através do amor do outro. Contudo, é preciso sair do lugar-comum e quebrar padrões dolorosos. Somos habituados a estar em nossa zona de conforto e o que nos é conhecido, embora nos cause dor é o lugar que “aprendemos” nos acomodar, por ser conhecido. Deste modo, as vinculações continuam a se reverberar em um padrão doentio, em autossabotagem, buscando amores impossíveis, com pessoas que de uma forma ou de outra não estão disponíveis para oferecer esse amor, enraizando mais e mais crenças disfuncionais sobre si mesmo e minando a própria autoestima e valor próprio. Ainda bem que estes últimos estão em constante construção.

Por este motivo, tudo pode mudar. Esse pode ser um momento de uma epifania interna e o primeiro passo é curar sua criança interior, ferida, machucada, desvalorizada; é ressignificar experiencias de desvalorização e invalidação; é quebrar o padrão de escassez de amor na sua vida que impera e dita as regras. Esse é um processo de libertação profundo de não mais sentir prazer na dor (zona de conforto) para a partir de um estado de conscientização plena você possa se permitir viver um amor sano e correspondido. E para isso, é preciso conhecer-se a fundo, para que a partir desse estado de consciência, a cura possa acontecer.

Como sempre digo: Nunca descuide de você, seja você o seu melhor apoio. Agora, mais que nunca, de maneira lúcida, consciente e empoderada.

Autora
Soraya Rodrigues de Aragão
Psicóloga, Psicotraumatologista, Expert em Medicina Psicossomática e Psicologia da Saúde. Autora em 4 livros publicados. Escritora em vários portais, jornais e revistas no Brasil e exterior.

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