No inicio da pandemia escrevi um texto que em linhas gerais abordava que a pandemia em seu sentido “mais profundo” seria uma oportunidade de reforma íntima, para que refletíssemos e mudássemos nossa conduta enquanto ser humano. O texto era uma caixa de Pandora “em uma versão atualizada” onde a esperança também consegue escapar antes de a caixa ser fechada.


Com a pandemia não somente a imunidade baixou, mas a humanidade também acompanhou esse ritmo. Sem ter uma percepção negativista, mas observando todas as intempéries que a pandemia trouxe como morte, luto e perdas de todos os tipos, fato é que não melhoramos enquanto humanidade, não estamos aproveitando esta oportunidade única de realizarmos uma reforma íntima. A vulnerabilidade a qual estamos atravessando seria uma excelente oportunidade para nos darmos as mãos, para cuidar do outro, para de fato fazer valer a nossa humanidade em seu sentido mais profundo. Longe de um discurso moralista, será que de fato nos tornamos mais compassivos, benevolentes, empáticos e menos individualistas?


Reitero mais uma vez que não estou desconsiderando os aspectos destrutivos que a pandemia nos trouxe, com perdas devastadoras, mas a vertente reflexiva é outra: será que de fato aproveitamos esta oportunidade para melhoramos enquanto pessoas? Todos sabemos que uma das orientações para a contenção da pandemia é o isolamento social, momento propicio para profundas reflexões do que fizemos da nossa vida até então, de como nos comportamos no meio social, das mudanças que poderiam acontecer para melhor. Mas não fomos tocados no coração, de maneira geral o mesmo continua endurecido e não aprendemos a respeitar e nem valorizar a vida. Durante a quarentena, conflitos aumentaram, com uma explosão de violência doméstica de mulheres, crianças e idosos. Somente no Brasil ocorreram mais de 105 mil denúncias de violência contra a mulher no ano de 2020. E os casos subnotificados? Animais foram e continuam sendo maltratados e abandonados à própria sorte. Compreendo perfeitamente que sem trabalho ninguém consegue se manter, mas o que justificaria o aumento dos maus tratos?

Photo by Serj Sakharovskiy on Unsplash


Estamos por um fio, ultrapassando um período de estresse agudo. Índices de depressão e ansiedade aumentaram vertiginosamente e não é para menos diante de um cenário de tanta vulnerabilidade e falta de perspectiva no futuro que as pessoas estejam mais estressadas, mas nada justifica que por muito pouco ou quase nada as pessoas se ataquem, se matem, se digladiem. Brigas e morte pelo uso (ou não uso) da mascara, pelo distanciamento na fila, por quaisquer outros motivos que jamais justificariam a retirada de uma vida. Nada justifica a retirada de uma vida. Em suma, o nosso instinto animal territorialista e individualista ainda impera absoluto, não aprendemos com esta experiencia dolorosa que estamos atravessando. Muito pelo contrário, com a pandemia se acentuaram os aspectos “negativos” que já existiam em nós e que esperavam o momento propício para eclodir como uma semente que espera a passagem do inverno para brotar. Contudo, precisamos nos conscientizar que o que eclodiu, o que brotou em nós são exatamente as ervas daninhas que já existiam latentes e que precisam ser arrancadas. Esta é a oportunidade para uma melhor humanidade. Precisamos nos conscientizar que o caos que existe no mundo é uma fotografia fiel do caos que habita em nós enquanto humanidade.


Ainda há tempo de priorizar o que é essencial para nós e para a humanidade como um todo. Ainda há tempo de construir um futuro melhor, mesmo que seja com a depauperada esperança que nos restou.

Autora
Soraya Rodrigues de Aragão
Psicóloga, Psicotraumatologista, Expert em Medicina Psicossomática e Psicologia da Saúde. Autora em 4 livros publicados. Escritora em vários portais, jornais e revistas no Brasil e exterior.

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