Anima vem do latim e significa alma, que é o sopro da vida, o princípio vital. Geralmente pessoas com Depressão, com Transtorno de Personalidade Borderline ou num estado misto do Transtorno Bipolar, tentam suicídio, mas a ideia de por um fim à própria existência pode ocorrer por tantos outros motivos, sempre associados a um estado de crise.
Relato do paciente X:
“Por mais que o dia esteja ensolarado, para mim é um dia sombrio, parece que não me conecto com a vida. Imagino como seria a paz dos cemitérios com folhas sendo levadas ao vento. Encontro-me em extremo sofrimento, eu não queria sentir, queria parar aqui, não tenho recursos para seguir adiante. Não quero ver quase ninguém, tenho vontade de chorar. Na realidade, não queria sequer ter levantado nesta manhã”.
No contexto de estados depressivos e a partir da percepção de uma pessoa deprimida, ocorre a visão de túnel, ou seja, todas as portas se fecharam, não há um caminho a seguir, não se vê um futuro, um norte, um destino. A esperança, como diz o mito de Pandora, foi a única que restou presa dentro da caixa, sendo que todos os males se libertaram.
Por outras palavras, a pessoa continua presa em seus medos, em sua desesperança, na falta de sentido, nas perdas mal elaboradas, no acumulo de emoções desagradáveis e não ressignificadas, na desilusão, na rejeição e toda a gama de sentimentos que a inundam. Sentir é pesado demais, ocorrendo o embotamento de emoções desagradáveis como mecanismo de defesa, onde há um esvaziamento de tudo, da seiva da vida, um deserto sem nenhuma perspectiva de oásis.
A partir da minha prática clinica, poderia descrever um estado depressivo da seguinte forma:
A casa interna de uma pessoa deprimida está desabitada. Antes da vontade de morrer, hã um sentimento de falta de vida em que a “anima” não se encontra mais ali, onde existe um corpo inerte, apático e desesperançoso.
Foto de Thirdman no Pexels
Na Depressão, ocorre a abstração seletiva, uma distorção cognitiva conhecida como visão de túnel, onde a percepção da pessoa é bastante funilada, restrita, observando apenas os aspectos negativos da situação e não encontrando possíveis soluções para os problemas-gatilho eliciadores da sua desesperança, falta de perspectiva e desamparo. Na Depressão tudo falta, principalmente o brilho nos olhos, onde não se espelha mais nada.
Como sem destino, a pessoa observa seu próprio “deserto interno” sem esperança de que possam vir dias melhores e por mais contraditório que seja, quem tenta a morte não quer de fato morrer, mas sair de um estado de “morte interna” na possibilidade de se encontrar vida em outro lugar, sem o peso do sofrimento e das insatisfações.
Para lidar com a ideação suicida, é imprescindível compreender o que todos esses sentimentos querem dizer. Na maioria das vezes as pessoas se esquivam de seus próprios pesares, pois como o próprio nome indica, não é nada fácil seguir na vida como um zumbi esgotado em suas forças.
O caminho aqui é acolher esses sentimentos e escutar o que eles querem dizer. Em outras palavras, é aceitá-los para que eles não façam morada, pois enquanto não houver escuta interna e externa, estes continuarão gritando até que possam ser ouvidos e trabalhados.
Quando chega neste estágio, a ajuda profissional se faz necessária, com psicoterapia e intervenção medicamentosa, pois geralmente as pessoas não previnem, bem como não reconhecem os sinais de uma depressão que está se instalando, de modo que a procura pela ajuda acontece na maioria das vezes em uma crise, sendo necessário uma reestruturação da vida que foi desgastada por experiencias acumuladas e mal elaboradas, como perdas, luto e traumas.
A boa vontade de pessoas queridas que amam aquela pessoa em sofrimento muitas vezes pode dificultar a saída da crise, pois alguns comportamentos invalidam tudo o que a pessoa está sentindo. É sempre bom lembrar que tudo nessa vida passa, mas se for devidamente cuidado e tratado. De pouco ou nada adianta dizer para uma pessoa no fundo do poço que tudo aquilo vai passar, não adianta dizer para uma pessoa que está naquele momento em escuridão existencial que tudo é coisa da sua cabeça e que ela precisa ter mais força de vontade. Portanto, é preciso acolher, validar, compreender o que, como e porque tudo está acontecendo para que a pessoa passe por esse período difícil com menos danos possíveis.
Autora
Soraya Rodrigues de Aragão
Psicóloga, Psicotraumatologista, Expert em Medicina Psicossomática e Psicologia da Saúde. Autora em 4 livros publicados. Escritora em vários portais, jornais e revistas no Brasil e exterior.
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