Talvez você não tenha ouvido falar no termo distorções cognitivas, mas acredite, algumas fazem parte da sua vida sem que você se dê conta. Pior que isso, é o estrago que as distorções cognitivas podem causar na vida de uma pessoa, pois estão sempre associadas a interpretações negativas e a crenças enraizadas. A questão é que pensamentos, sentimentos e crenças determinam nosso comportamento, pois as crenças são a “nossa verdade” que carregamos conosco e que podem definir a partir de alguns pensamentos distorcidos, posturas comportamentais disfuncionais, interferindo conseqüentemente o rumo de nossas vidas. Isto acontece através de escolhas que acreditamos que são conscientes, mas que são pautadas por crenças não questionadas e por erros cognitivos (de pensamento) que são fonte de sofrimento porque não estamos lidando corretamente com a realidade. Portanto, as distorções cognitivas geralmente levam a comportamentos disfuncionais e por este motivo precisamos conhecê-las bem de perto para melhor lidar com elas.

A meu ver, o homem somente tem livre arbítrio de fato, quando conhece a si, quando é consciente do porque pensa, age, escolhe e se comporta de uma determinada maneira.

Quando me refiro à questão do livre arbítrio não significa que cada um de nós não tenha que se responsabilizar por nossos atos. Qualquer escolha (consciente ou não) implica em conseqüências.

Mas, vamos fazer alguns questionamentos:

Você é consciente do porque de suas escolhas?

Em quais critérios são pautadas as crenças que norteiam a sua vida?

E quanto aos seus pensamentos, você já teve uma pausa para uma metacogniçao, ou seja, para ter uma “conversa” com seus próprios pensamentos, fazer uma auto-observação e uma autoavaliaçao?

Parece uma proposta estranha, mas você vai entendê-la quando souber o que são as distorções cognitivas e de como estas podem impactar sua vida negativamente, causando sofrimento e comportamentos indesejáveis, de defesa, “ataque” e mecanismos compensatórios.

Foto de Ivan Lapyrin na Unsplash

O que são distorções cognitivas?


Como o próprio nome sugere, distorções cognitivas são erros cognitivos, ou seja, é uma distorção na forma de pensar, há um erro de como a pessoa se percebe, bem como interpreta a realidade à sua volta. Portanto, para o desenvolvimento de habilidades socioemocionais ou para iniciarmos um processo de regulação emocional, precisamos primeiro conhecer quais são os nossos erros cognitivos, pois estes definirão os nossos padrões de pensamentos, sentimentos e comportamentos, bem como os esquemas que estão ativados e seus mecanismos de enfrentamento.

Conheça as principais distorções cognitivas e observe aquelas que você se identifica:

1- Catastrofizaçao:

Muito comum nos transtornos ansiosos, a catastrofizaçao é uma distorção em que a pessoa coloca uma lente de aumento pessimista, percebendo algo como ameaçador, focando sempre no pior, que algo catastrófico vai acontecer, que não tem como escapar e que não existem outras formas de se perceber a mesma questão com soluções alternativas.
Exemplos:
“Quando me separei, meu mundo acabou, nunca mais serei “feliz”, “Tenho certeza que esse trabalho está péssimo e certamente meu chefe não gostará e serei despedido”.

2- Abstração seletiva:

Também conhecida como filtro negativo, filtro mental e visão em túnel. Esta distorção está muito presente nos transtornos depressivos, onde a pessoa se fixa apenas nos aspectos negativos da situação, não percebendo os aspectos positivos que norteiam todo o contexto da mesma questão. Para explicar melhor, imagine uma folha em branco e limpa, mas que apresenta uma pequena mancha quase imperceptível no canto inferior da folha. Embora toda a folha esteja em branco e utilizável, na abstração seletiva, a pessoa somente percebe a minúscula mancha, desconsiderando todo o resto da folha que poderia ser utilizada.

Exemplos:
“Tenho um péssimo marido/péssima esposa” porque ele esqueceu uma data importante ou porque ela esqueceu de passar a camisa dele, sendo desconsiderado todo o restante do contexto, onde por várias vezes a esposa/marido demonstrou atenção e carinho, como por exemplo cozinhar o prato preferido do cônjuge ou colocar o lixo para fora. Neste caso especifico de relacionamento, a abstração seletiva pode gerar um mal entendido, porque o parceiro não se sente mais importante e que o relacionamento está indo mal. E porque os aspectos positivos não foram levados em consideração?

3- Polarização ou pensamento tudo-nada:

Nesta distorção, como o próprio nome indica, não existe meio-termo, ou é 8 ou 80, o pensamento é dicotômico não tendo espaço para as nuances entre os dois pólos. Na polarização estão sempre presentes falas com “tudo”, “nada”, “jamais”, “nunca”, “ninguém”, “todos”, não levando em consideração as nuances.
Exemplos:
“Tudo está dando errado na minha vida”, “Nunca irei conseguir passar em uma faculdade pública”, “Jamais serei feliz no amor”, “Ninguém me leva à sério”, ” Não consigo fazer nada bem feito e por isso me sinto um lixo” (nesta ultima frase também temos a catastrofizaçao e a rotulação).
Será que de fato tudo está dando errado? Porque você não acredita que seja possível passar em uma universidade publica? O que te faz acreditar que você jamais será feliz em um relacionamento? Estes são alguns questionamentos que precisam ser feitos.

4- Leitura mental ou leitura de pensamento:

Muito mais comum do que se imagina, a leitura mental é uma abstração cognitiva em que a pessoa acredita que sabe o que o outro está pensando e sentindo acerca de algo ou dela, já antecipando inclusive como ela se comportará em determinada situação. Vale a pena ressaltar que toda essa certeza é desprovida de qualquer evidência que comprove o fato.
Alguns argumentos:
“Tenho certeza que fulano está com raiva de mim porque declinei o convite para ir à festa com ele”. “Aquelas pessoas estão olhando para mim e rindo. Sinto que elas estão falando de mim e não é nada bom.”

5- Personalização:

A pessoa se atribui responsável ou mesmo culpada pelas circunstâncias que ocorrem. Por exemplo, em um casamento, quando há alguma dificuldade ou conflito, este desafio é responsabilidade dos dois, pois como o nome sugere, é um relacionamento. Contudo, para a pessoa que tem essa distorção cognitiva, ela acredita que o fracasso do casamento foi culpa exclusivamente dela. Ou mesmo em um trabalho de equipe, onde todos os participantes são responsáveis pelo bom desempenho da tarefa, a pessoa atribui a culpa a ela, caso a equipe não obtenha êxito e não seja aprovada.

Exemplos:
“Se eu tivesse me esforçado mais, teríamos conseguido uma melhor nota”, “Meu casamento fracassou por culpa minha, porque não soube conduzir a situação a contento.”

6- Generalização:

A pessoa tende a generalizar suas experiencia como se fosse uma regra, um fato incontestável. Utilizando ainda o exemplo do casamento, como ocorreu um fracasso matrimonial, a pessoa acredita que se investir em outras relações, estas também fracassarão, generalizando portanto aquela vivência que foi em um determinado contexto e época da sua vida.
Exemplo:
“Nem tento mais me relacionar, tanto sei que sempre acabará em separação”.

7- Rotulação:

E’ uma auto intitulação pejorativa como uma verdade absoluta e que detona a própria autoestima.
Exemplos:
“Eu sou burro. Já é a segunda vez que sou reprovado no teste para motorista.”, “Fui reprovado novamente no concurso, sou mesmo um fracassado, nunca vou dar para nada.”, “Nunca consigo fazer nada a contento, sou mesmo um incompetente.”
Seria interessante verificar outras situações em que a pessoa obteve êxito ou que foi competente. No caso específico do teste para motorista e da prova de concurso, verificar a metodologia que o aluno está utilizando e observar se outras metodologias seriam mais eficazes para ele ao invés de se rotular como burro, fracassado, inútil ou incompetente.

8- Raciocínio emocional:

Nesta distorção, a pessoa percebe os fatos de acordo com seus estados emocionais. Ou seja, se a pessoa sente algo, então é verdade.
Exemplos:
“Sinto que meu planejamento não vai dar certo, nem vou tentar”, “Sinto que essa pessoa não gosta de mim”, “Sinto que você não deveria ir a essa festa, tenho um mau pressentimento”, “Sinto que ele está apaixonado por mim, mas não me telefona porque não tem tempo.”

9- Atribuição de culpa:

Diferentemente da personalização, na atribuição de culpa, a pessoa atribui a responsabilidade/culpa a terceiros. Esse erro cognitivo está muito relacionado com a vitimização, a autossabotagem e a autorresponsabilidade pelas escolhas e a falta de controle da própria vida.

Exemplos:
“Hoje sou um derrotado por culpa da minha família”, “Sou viciado em álcool por culpa do meu amigo que sempre me levava para beber”, “Eu bati nele porque ele me tira do sério”.

Você se identificou com algumas das distorções cognitivas apresentadas acima? Em caso afirmativo, seria interessante iniciar uma terapia com um psicólogo para conhecer seu próprio funcionamento e desenvolver alternativas cognitivas e comportamentais mais saudáveis e positivas, sem perder o senso de realidade e objetivando uma vida de qualidade. A psicoterapia oferece técnicas específicas para os erros cognitivos com resultados eficazes e duradouros. Deste modo, através da psicoterapia, podemos fazer nossas escolhas através de uma percepção mais ampliada e rever o próprio repertorio de estratégias para lidar com as circunstâncias da vida.

Autora
Soraya Rodrigues de Aragão
Psicóloga, Psicotraumatologista, Expert em Medicina Psicossomática e Psicologia da Saúde. Autora em 4 livros publicados. Escritora em vários portais, jornais e revistas no Brasil e exterior.

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